Os Lusíadas – estrutura externa e interna

A epopeia, uma narrativa em verso, nasceu na Grécia, nos séculos IX a VII a.C., época em que terão sido elaboradas as primeiras epopeias primitivas.

Em Itália, no século XIV inicia-se o Renascimento, um movimento cultural que pretendia fazer renascer a Antiguidade greco-latina, retomando os seus valores e seguindo os seus modelos, e que se expandiu por toda a Europa. Nesta perspectiva de retomar os valores clássicos, os italianos tentaram também, recuperar a literatura do período áureo dos seus antepassados. Com o Renascimento, desenvolveu-se também o Humanismo, o homem no centro de tudo (antropocentrismo), sendo este valorizado na sua capacidade, força natural, obra individual e colectiva e o Classicismo, que estabeleceu uma estética muito rígida para os vários géneros literários que se desenvolveram, nomeadamente a epopeia, o lírico e o dramático. Estes tiveram sujeitos a regras rígidas de conteúdo e forma e a harmonia entre a proporção, o equilíbrio e o comedimento (assuntos escandalosos, cenas violentas).

A epopeia especialmente, passou a ser considerada a expressão mais alta de toda a poesia, a exaltação da grandeza do Homem, durante o Renascimento.

Entretanto, em Portugal, vivia-se o período dos Descobrimentos e tornou-se importante o surgimento de uma epopeia portuguesa que glorificasse o povo lusitano, necessidade que já tinha sido expressada por Garcia de Resende e António Ferreira. Quem vai dar corpo a este anseio é Luís Vaz de Camões, que publica “Os Lusíadas”, em 1572, aproveitando as descobertas, os perigos das viagens, o heroísmo dos navegantes, o orgulho nacional, a expansão da Fé Cristã e os feitos recentes da História de Portugal. Camões auxiliou-se em fontes históricas (registos e crónicas) e em epopeias como a Ilíada e a Odisseia de Homero, a Eneida de Virgílio e Orlando Furioso de Ariosto, por isso, a sua obra é considerada uma epopeia de imitação.

Os Lusíadas primam também pela rigidez clássica, pela coesão e pela articulação.

Esta harmonia, constata-se desde logo na estrutura externa, bastante idêntica à epopeia Orlando Furioso. A obra distribui-se por dez cantos, com um número variável de estrofes em cada e tem um total de 1102 estrofes. Estas são oitavas (oito versos) e os versos decassilábicos (dez sílabas métricas) “Es/ta/vas/, lin/da I/nês/, pos/ta em/ so/sse/go”, na maioria heróicos (acentuados nas 6ª e 10ª sílabas) e, por vezes, sáficos (acentuado nas 4ª, 8ª e 10ª sílabas). O esquema rimático é regular ABABABCC, ou seja, rima cruzada nos 6 primeiros versos e emparelhada nos 2 últimos.

A unidade e integridade da obra evidenciam-se também na estrutura interna, que segue a Eneida de Virgílio, constituída por quatro partes: Proposição, o poeta anuncia o que vai cantar; Invocação, pedindo ajuda às divindades (Tágides); Dedicatória, oferecendo a obra a D. Sebastião; e Narração, narrando as acções, iniciadas «in media res» (a narração da acção principal é iniciada quando esta já vai a meio. Depois, narram-se os factos passados, através das retrospectivas; e os factos futuros, através das profecias).

A estrutura d´Os Lusíadas pode também ser dividida em dois ciclos épicos: o 1º ciclo, do Canto I ao Canto V, onde encontramos a introdução, a Viagem de Moçambique a Melinde, a História de Portugal e a Viagem de Belém a Melinde; o 2º ciclo do Canto VI ao Canto X, integrando a Viagem de Melinde a Calecute, a Permanência na Índia, o Regresso e paragem na Ilha dos Amores e a conclusão, onde se inclui o apelo a D. Sebastião. O Canto V é uma espécie de ponte entre o passado de Portugal anterior à viagem de Vasco da Gama e o futuro dos portugueses no Oriente. Já o Canto X é uma espécie de síntese optimista.

Como já fui referindo, "Os Lusíadas" integram vários elementos, narrados por Camões, Vasco da Gama e Paulo da Gama, desde: momentos da História de Portugal, aos Descobrimentos e ao maravilhoso, que intervém na acção em forma pagã e cristã e que conferem unidade a esta, servindo como um fio condutor. Por outro lado, a variedade é também conseguida através de vários episódios (acções reais ou imaginárias), que embelezam a acção, mas que não quebram a sua coesão. São estes: episódios mitológicos (Consílio dos Deuses), bélicos (batalha de Aljubarrota), líricos (Inês de Castro), naturalistas (Fogo de Santelmo), simbólicos (Ilha dos Amores), humorísticos ou cómicos (Fernão Veloso) e cavalheirescos (os Doze de Inglaterra).

Estas várias partes integrantes da epopeia são organizadas em planos narrativos: a viagem de Vasco da Gama, o principal; em paralelo, o plano mitológico e uma narrativa encaixada, a História de Portugal. No final de cada canto, as intervenções do poeta. No Canto III, a consideração sobre o poder do amor, no Canto V, sobre o desprezo das artes e das letras pelos reis, que se ocupavam com o Mercantilismo e o poderio económico, no Canto VI, sobre o valor da glória, no Canto VIII, o poder do ouro e no Canto X, já referido, a conclusão do poema, onde o poeta se dirige ao Rei “Por isso vós, ó Rei, (…)/ Olhai que sois (e vede as outras gentes)/ Senhor só de vassalos excelentes” e o apelo a D. Sebastião, para que ouça os conselhos dos “experimentados” e estime aqueles que tornam o “Império Proeminente”.

Sumariamente, dotando a epopeia de uniformidade e coerência, o poeta expressa o heroísmo lusitano, com solenidade e grandeza “o peito ilustre lusitano” e auxiliado por uma ampla unidade e variedade, a nível externo e interno.

Escrito por Ana Alves

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