Linguagem e Estilo de Saramago no 'Memorial do Convento'

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A escrita de Saramago é marcada por um estilo e uma linguagem peculiares, que o diferenciam no panorama literário português. Crítico de tempos passados e presentes, procura subverter conceitos tradicionalmente aceites na sociedade, satirizando situações e personagens, servindo-se para isso de uma escrita igualmente subversiva.

Efectivamente, a pontuação utilizada por Saramago confere à escrita uma especificidade que desafia a gramática académica, dificultando a leitura. Esta recriação pretende oferecer ao leitor a oportunidade de entoar, ele próprio, as palavras, bem como personalizar a leitura, contribuindo para a sua expressividade. Substituindo-se marcas do discurso oral por maiúsculas e pontos por vírgulas, como em “Hei-de ir para Mafra, tenho lá família, Mulher, Pais e uma irmã”, a pontuação é uma das características mais revolucionárias do estilo de Saramago.

Por outro lado, a visão ‘brechtiana’ do autor é evidente na crítica social que proporciona nas suas obras, através da utilização de figuras de estilo como a metáfora, a enumeração, a ironia e o sarcasmo. Estas servem, sobretudo, para satirizar a sociedade e os seus aspectos mais marcantes. No 'Memorial do Convento', por exemplo, Saramago critica o povo e a realeza por gostarem do espectáculo das touradas, semelhante “ao churrasco do auto-de fé”. De forma subtil ou mordaz, a ironia está sempre presente nas palavras do autor.

Em suma, Saramago assume-se como Neo-realista, com base na ideologia marxista de defesa do povo e crítica ao poder, bem como céptico ao nível da religião. Utilizando, para além da pontuação e das figuras de estilo peculiares, aforismos, provérbios, a coloquialidade e a intertextualidade, subverte o próprio conceito de escrita e afirma-se como um visionário na literatura, no que respeita ao estilo e à linguagem.

Texto Expositivo-Argumentativo escrito por Raquel Silva

Lisboa e Mafra: Espaços Privilegiados em 'Memorial do Convento'

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Lisboa e Mafra constituem o espaço real deste romance histórico, conferindo veracidade à história narrada. Estes espaços revelam-se de extrema importância, uma vez que neles se desenvolve toda a história e se movimentam as personagens principais da obra.

Do ponto de vista geográfico, Lisboa integra várias zonas enquanto macroespaço, nomeadamente o Terreiro do Paço, local onde Baltazar trabalha num açougue e onde é revelada a vida da corte, o Rossio, onde decorrem os autos-de-fé e a procissão da Quaresma, e São Sebastião da Pedreira, espaço rural relacionado com a construção da passarola. Mafra, por sua vez, é tida como o segundo macroespaço da obra. Neste espaço constam locais como a Vela, espaço escolhido para a construção do Convento, ou a “Ilha da Madeira”, zona anexada ao Convento de Mafra, onde se alojaram os milhares de trabalhadores.

Contudo, Lisboa e Mafra apresentam também uma vertente social, ou seja, espaços sociais são construídos através do relato de determinados momentos ou percursos efectuados pelas personagens nestes locais, que acabam por representar um determinado grupo social. Um exemplo disso são os autos-de-fé, efectuados no Rossio, que permitem ao autor demonstrar o gosto sanguinário do povo e a sua procura de emoções fortes na tentativa de preencher o vazio da sua existência.

Concluindo, Lisboa e Mafra são, de facto, espaços privilegiados, uma vez que neles se desenrola toda a acção, permitindo, ao mesmo tempo, demonstrar quadros reveladores das mentalidades, hábitos e rituais em relação a toda a escala social, sendo da preferência do autor, para o efeito, grandes aglomerados de pessoas e locais significativos que permitam demonstrar a realidade do século XVIII.

Texto Expositivo-Argumentativo escrito por Raquel Oliveira

Prodígio de Arte Narrativa e de Arquitectura Significativa (Estrutura Global da Obra) - Os Lusíadas

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No Renascimento, um poeta glorificou o povo português “o peito ilustre lusitano”. O poeta foi Camões e na obra “Os Lusíadas”, uma epopeia de imitação. Utilizando o género épico, a narração em verso, o poeta arquitectou a obra simples e articulada.

Efectivamente, esta harmonia constata-se à priori na estrutura externa. A obra distribui-se por dez cantos e tem um total de 1102 estrofes. Estas são oitavas e os versos decassilábicos “Es/ta/vas/, lin/da I/nês/, pos/ta em/ so/sse/go”, na maioria heróicos e, por vezes, sáficos. O esquema rimático é regular ABABABCC.

Novamente, a unidade e integridade da obra evidenciam-se na estrutura interna, constituída por quatro partes: Proposição, o poeta anuncia o que vai cantar; Invocação, pedindo ajuda às divindades (Tágides); Dedicatória, oferecendo a obra a D. Sebastião; e Narração, narrando as acções, iniciadas «in media res».

De destacar os planos narrativos: a viagem de Vasco da Gama, o principal; em paralelo, o plano mitológico e uma narrativa encaixada, a História de Portugal. No final de cada canto, as intervenções do poeta “…mas de ver que venho/ Cantar a gente surda e endurecida”.

Sumariamente, dotando a epopeia de uniformidade e coerência, o poeta expressa o heroísmo lusitano, com solenidade e grandeza “Ó gente ousada”.

Texto Expositivo-Argumentativo escrito por Ana Alves

Os Lusíadas – estrutura externa e interna

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A epopeia, uma narrativa em verso, nasceu na Grécia, nos séculos IX a VII a.C., época em que terão sido elaboradas as primeiras epopeias primitivas.

Em Itália, no século XIV inicia-se o Renascimento, um movimento cultural que pretendia fazer renascer a Antiguidade greco-latina, retomando os seus valores e seguindo os seus modelos, e que se expandiu por toda a Europa. Nesta perspectiva de retomar os valores clássicos, os italianos tentaram também, recuperar a literatura do período áureo dos seus antepassados. Com o Renascimento, desenvolveu-se também o Humanismo, o homem no centro de tudo (antropocentrismo), sendo este valorizado na sua capacidade, força natural, obra individual e colectiva e o Classicismo, que estabeleceu uma estética muito rígida para os vários géneros literários que se desenvolveram, nomeadamente a epopeia, o lírico e o dramático. Estes tiveram sujeitos a regras rígidas de conteúdo e forma e a harmonia entre a proporção, o equilíbrio e o comedimento (assuntos escandalosos, cenas violentas).

A epopeia especialmente, passou a ser considerada a expressão mais alta de toda a poesia, a exaltação da grandeza do Homem, durante o Renascimento.

Entretanto, em Portugal, vivia-se o período dos Descobrimentos e tornou-se importante o surgimento de uma epopeia portuguesa que glorificasse o povo lusitano, necessidade que já tinha sido expressada por Garcia de Resende e António Ferreira. Quem vai dar corpo a este anseio é Luís Vaz de Camões, que publica “Os Lusíadas”, em 1572, aproveitando as descobertas, os perigos das viagens, o heroísmo dos navegantes, o orgulho nacional, a expansão da Fé Cristã e os feitos recentes da História de Portugal. Camões auxiliou-se em fontes históricas (registos e crónicas) e em epopeias como a Ilíada e a Odisseia de Homero, a Eneida de Virgílio e Orlando Furioso de Ariosto, por isso, a sua obra é considerada uma epopeia de imitação.

Os Lusíadas primam também pela rigidez clássica, pela coesão e pela articulação.

Esta harmonia, constata-se desde logo na estrutura externa, bastante idêntica à epopeia Orlando Furioso. A obra distribui-se por dez cantos, com um número variável de estrofes em cada e tem um total de 1102 estrofes. Estas são oitavas (oito versos) e os versos decassilábicos (dez sílabas métricas) “Es/ta/vas/, lin/da I/nês/, pos/ta em/ so/sse/go”, na maioria heróicos (acentuados nas 6ª e 10ª sílabas) e, por vezes, sáficos (acentuado nas 4ª, 8ª e 10ª sílabas). O esquema rimático é regular ABABABCC, ou seja, rima cruzada nos 6 primeiros versos e emparelhada nos 2 últimos.

A unidade e integridade da obra evidenciam-se também na estrutura interna, que segue a Eneida de Virgílio, constituída por quatro partes: Proposição, o poeta anuncia o que vai cantar; Invocação, pedindo ajuda às divindades (Tágides); Dedicatória, oferecendo a obra a D. Sebastião; e Narração, narrando as acções, iniciadas «in media res» (a narração da acção principal é iniciada quando esta já vai a meio. Depois, narram-se os factos passados, através das retrospectivas; e os factos futuros, através das profecias).

A estrutura d´Os Lusíadas pode também ser dividida em dois ciclos épicos: o 1º ciclo, do Canto I ao Canto V, onde encontramos a introdução, a Viagem de Moçambique a Melinde, a História de Portugal e a Viagem de Belém a Melinde; o 2º ciclo do Canto VI ao Canto X, integrando a Viagem de Melinde a Calecute, a Permanência na Índia, o Regresso e paragem na Ilha dos Amores e a conclusão, onde se inclui o apelo a D. Sebastião. O Canto V é uma espécie de ponte entre o passado de Portugal anterior à viagem de Vasco da Gama e o futuro dos portugueses no Oriente. Já o Canto X é uma espécie de síntese optimista.

Como já fui referindo, "Os Lusíadas" integram vários elementos, narrados por Camões, Vasco da Gama e Paulo da Gama, desde: momentos da História de Portugal, aos Descobrimentos e ao maravilhoso, que intervém na acção em forma pagã e cristã e que conferem unidade a esta, servindo como um fio condutor. Por outro lado, a variedade é também conseguida através de vários episódios (acções reais ou imaginárias), que embelezam a acção, mas que não quebram a sua coesão. São estes: episódios mitológicos (Consílio dos Deuses), bélicos (batalha de Aljubarrota), líricos (Inês de Castro), naturalistas (Fogo de Santelmo), simbólicos (Ilha dos Amores), humorísticos ou cómicos (Fernão Veloso) e cavalheirescos (os Doze de Inglaterra).

Estas várias partes integrantes da epopeia são organizadas em planos narrativos: a viagem de Vasco da Gama, o principal; em paralelo, o plano mitológico e uma narrativa encaixada, a História de Portugal. No final de cada canto, as intervenções do poeta. No Canto III, a consideração sobre o poder do amor, no Canto V, sobre o desprezo das artes e das letras pelos reis, que se ocupavam com o Mercantilismo e o poderio económico, no Canto VI, sobre o valor da glória, no Canto VIII, o poder do ouro e no Canto X, já referido, a conclusão do poema, onde o poeta se dirige ao Rei “Por isso vós, ó Rei, (…)/ Olhai que sois (e vede as outras gentes)/ Senhor só de vassalos excelentes” e o apelo a D. Sebastião, para que ouça os conselhos dos “experimentados” e estime aqueles que tornam o “Império Proeminente”.

Sumariamente, dotando a epopeia de uniformidade e coerência, o poeta expressa o heroísmo lusitano, com solenidade e grandeza “o peito ilustre lusitano” e auxiliado por uma ampla unidade e variedade, a nível externo e interno.

Escrito por Ana Alves
 
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